Miopia em Marketing, 4 Décadas Depois
Por Márcio Tadeu Furrier
12/10/2003
Poucas idéias tiveram tanto impacto na formação do pensamento de
Marketing quanto as preconizadas no artigo “Marketing myopia”
(Miopia em Marketing), publicado pelo ex-professor de Harvard
Theodore Levitt, na edição de Julho/Agosto de 1960 da Harvard
Business Review. A própria revista, em seu número comemorativo de 75
anos, em 1997, considerou “Marketing myopia” como um dos 16 artigos
mais importantes de sua história, em todas as áreas de management.
Este texto tem por objetivo resgatar as principais pontos contidos
no artigo original e traçar comentários sobre suas implicações na
disciplina de Marketing, mais de 40 anos depois.
“Marketing myopia” foi provavelmente mais citado do que lido, e
menos ainda compreendido. Segundo o próprio Levitt, o artigo foi
escrito mais como manifesto, sem a intenção de ser uma análise ou
prescrição. Tampouco suas idéias eram, em essência, novas; o
conceito de Marketing já havia sido trabalhado por autores como
Drucker, Alderson, Howard e Borden, entre outros. Então, o que teria
feito esse artigo tão importante? Pode-se dizer que, além da
pertinência das idéias, Levitt soube usar afirmações fortes,
exemplos adequados e um estilo direto que fez sentido a uma camada
gerencial em formação e em crescimento, preocupada com um futuro que
já dava sinais de forte dinamismo.
Usualmente, o artigo é citado no contexto dos perigos causados pela
falta de visão da administração em relação às reais necessidades de
mercado, mas suas idéias vão além disso: seu ponto principal está na
utilização da imaginação em Marketing para enfrentar as
conseqüências autolimitadoras de empresas que buscam ser excelentes
de formas convencionais em coisas convencionais.
Gerenciar bem, para Levitt, não assegura que as coisas certas estão
sendo gerenciadas, e isso remete a uma diferenciação básica entre
eficiência - medida de otimização de recursos para gerar saídas em
um sistema, e eficácia - realização dos objetivos de um sistema
(Maximiano, 2000). O trabalho de Marketing é buscar, através do
esforço de prospecção, da imaginação e da inovação, as coisas certas
a se fazer do ponto de vista mercadológico. Lembrando Drucker
(1955), afora Marketing e inovação, todas as outras funções são
meios.
No debate sobre a finalidade da empresa surge a definição da função
de Marketing, que é “...satisfazer as necessidades do cliente por
meio do produto e de todo o conjunto de coisas associadas à sua
criação, entrega e consumo final”. Essa definição por certo
encontraria hoje críticos, talvez por não enfatizar as dimensões de
troca e lucratividade, ou por não tocar nos aspectos processuais e
competitivos. Mas, colocada em contexto histórico, numa sociedade
que experimentava a explosão das possibilidades de consumo e ao
mesmo tempo ainda vivia sob ícones da oferta em massa e
indiferenciada, certamente a mensagem continha características
fortes.
Da definição da função de Marketing decorre que a excelência em
know-how de produto e eficiência de produção não garantem a
sobrevivência da organização a longo prazo, uma vez que necessidades
não precisam ser sempre atendidas através de uma única categoria de
produtos. A falta de imaginação, de contato com os clientes e o
apego à excelência operacional numa categoria atualmente bem
sucedida pode levar à inércia, ou à “miopia em Marketing”.
Necessidades são permanentes, produtos não.
Por que executivos altamente educados e inteligentes seriam
impactados por uma mensagem que hoje nos parece simples? Levitt
pensa que, antes de qualquer processo de raciocínio, eram as crenças
dos executivos que ofuscavam sua visão de negócio. Por atuarem como
pressupostos, dificilmente as crenças eram sujeitas à crítica. Entre
essas crenças, o autor destaca:
1. A crença de que o crescimento é assegurado por uma população em
expansão e mais afluente;
2. A crença de que não existe um substituto competitivo para o
principal produto da empresa;
3. Excesso de fé na produção em massa e nas vantagens do rápido
declínio do custo unitário com o aumento da produção;
4. Preocupação com um produto que se preste ao aperfeiçoamento
contínuo e à redução dos custos de produção.
O exemplo mais citado de miopia em Marketing, que muitos vão se
lembrar agora, fala sobre a estagnação da indústria das ferrovias
como opção de transporte de cargas e passageiros na primeira metade
do séc. XX nos EUA. Levitt argumenta que a necessidade de transporte
certamente não diminuiu, mas foi paulatinamente sendo atendida por
outros meios (carros, caminhões, aviões, etc) de maneira mais
eficaz. Como as empresas operadoras de ferrovias eram orientadas a
produtos e não a clientes, assumiram que pouco podiam fazer, uma vez
que seu negócio era e sempre seria a ferrovia.
A responsabilidade de Marketing está, portanto, em pensar a
organização como meio eficaz de fazer com que as pessoas desejem
fazer negócios com ela.
Após 43 anos da publicação de “Marketing Myopia”, pode-se
classificar esse artigo como fundamental na formação de uma área de
conhecimento aplicado chamada Marketing (não cabe a este texto
discutir a conceituação ou não de Marketing como ciência). Coube
portanto a Levitt enfatizar na teoria de Marketing a relação entre
clientes e necessidades.
Nessas últimas 4 décadas, muita coisa aconteceu no domínio de
Marketing: o apogeu dos gerentes de produto e o surgimento das
campanhas internacionais na década de 70, o conceito de
posicionamento e estratégia competitiva, a hipercompetição e a
ascensão da marca na década de 80, as políticas de relacionamento e
database Marketing, a Internet, o Marketing social nos anos 90, até
a presente e incessante busca de novos modelos de negócio e
propostas de valor em ambientes complexos de decisão global e
execução local.
Por mais que a maturação da disciplina de Marketing tenha trazido
novas visões e ferramentas, e que mesmo o cliente não seja mais
visto como fonte única de inovação (Christensen, 1998), os textos de
Levitt e de outros pensadores dessa era de consolidação do Marketing
ajudaram de forma decisiva a inserir no pensamento empresarial as
seguintes preocupações:
1. A cuidadosa análise da definição de negócio da empresa;
2. A atenção permanente às necessidades e clientes;
3. A importância da inovação em Marketing.
Trazendo essas idéias em perspectiva, pode-se entender porque, após
43 anos, “Marketing Myopia” ainda é uma referência obrigatória
àqueles que querem navegar pelas idéias fundadoras da disciplina de
Marketing.
Marcio Tadeu Furrier
Graduado em Administração de Empresas pela Universidade de São
Paulo, Master em Marketing pela ESPM e Mestrando em Administração
pela PUC/SP.